terça-feira, 17 de novembro de 2009

Alguns comentários sobre o Caderno Saber - Folha de São Paulo

A Folha de São Paulo lançou na semana passada uma seção especializada em educação, denominada Saber, a ser publicada toda segunda-feira junto do caderno de Cotidiano. Os primeiros textos ( " 7 mitos da educação" e "Verdade ou Mentira" de 09/11/09) foram um gesto ousado, porque fazem um revisão de 7 pontos tidos como principais para a mudança da Educação no Brasil e tentam desmistificá-los enquanto soluções práticas eficazes, pelo menos a curto prazo.

São eles (da forma como o jornal escreveu):

1) Só pagar melhor o professor já melhora o aprendizado
2) Melhorar a infraestrutura da escola tem impacto positivo no desempenho dos alunos
3) A Progressão Continuada contribui para piorar a qualidade do ensino
4) Cursos de reciclagem para professores ajudam a melhorar o ensino
5) Gastar mais com educação é suficiente para aumentar o aprendizado dos alunos
6) A escola não pode ajudar filhos de famílias desestruturadas
7) Sistemas de ensino apostilados tolhem a autonomia do professor

Em primeiro lugar, as escolhas lexicais do texto são totalmente inapropriadas. O aprendizado, por exemplo, é algo que pode ser piorado e melhorado como se pudessemos aumentar ou diminuir o volume. Parece algo estático, perdendo a dimensão da construção conjunta do conhecimento, do seu caráter processual e dialógico, que ocorre entre indivíduos com facilidades e dificuldades. O professor, nesse sentido, deveria ser somente um mediador do conhecimento e não uma autoridade no assunto, do qual os alunos não se aproximam e não conseguem expressar seus desejos e, ao mesmo tempo, as suas necessidades de aprendizagem.

Outro problema é a utilização do termo como "famílias desestruturadas", porque parte-se do pressusposto, de que existe um padrão de família correto, estruturado, normal e perfeito. Em um mundo plural como o contemporâneo, em que pais e mães separam-se, casam-se novamente e, pode acontecer, seu melhor amigo vira seu irmão de papel passado, é impossível pensar que exista um padrão. E, mais do que isso, é impossível pensar em uma escola que não cumpra seu papel na formação do cidadão, nesse caso, consciente das mudanças comportamentais e culturais do seu tempo em relação ao passado. Aceitar o próximo e a diversidade pode ser filosofia religiosa milenar, mas isso não quer dizer que não precise mais ser ensinada. Muito pelo contrário.

A discussão em torno dos aspectos financeiros  tocou em quatro pontos importantes: salário de professor, reciclagem de professor, investimento estatal e infraestrutura. Embora elas sejam tidas como soluções ineficientes caso aplicadas isoladas, é importante pensar que a motivação do professor para realizar o seu trabalho depende (não somente, mas também) do respeito social  em torno da sua profissão, cujo parâmetro atual perpassa o valor financeiro do seu trabalho. A reciclagem e a atualização dos seus conhecimentos está necessariamente levando em consideração a sua necessidade de acompanhar as mais recentes tendências, estimulando a reflexão constante sobre a sua prática e buscando soluções para o desenvolvimento dos alunos. A infraestrutura de uma escola deveria propiciar e incentivar os alunos à buscar conhecimento, saber. O mínimo, como a substituição das escolas de lata,  proposta em projeto da prefeitura de São Paulo, deveria ser feito. Isso sem falar na implementação de computadores em áreas de fácil acesso, já que a internet tornou-se fonte de estudos e de informações globais. Obviamente que só o investimento financeiro não é suficiente, mas ele faz parte de um conjunto de ações necessárias.

Por fim, a utilização das apostilas pode ser um item facilitador da atividade do professor ao apresentar uma síntese de todos os conteúdos a serem trabalhados e propostas de atividades a serem desenvolvidas, contato que sejam utilizadas com parcimônia. Na sua sala de aula, o professor deve ter liberdade para trabalhar esses conteúdos da forma que lhe parecer mais conveniente, alterando por exemplo a ordem das aulas ou pulando algumas partes e exercícios considerados impróprios. Se a apostila for utilizada como algo complementar e não como uma muleta, ela pode auxiliar em muitos sentidos. Agora, tudo vai depender da forma como a instituição trabalha e redige a apostila, e cobra dos professores a sua utilização.

Caso alguém tenha alguma experiência positiva com apostilas e queira compartilhá-la, favor enviar e-mail para reflexoesensino@gmail.com. Eu também nãocomentei nada sobre progressão continuada porque ainda não tenho opinião formada, principalmente porque acho que cada caso é um caso. Se alguém quiser comentar algo ou contar o que acha, pode, além do email, postar um comentário abaixo!

2 comentários:

  1. Ju,
    Parabéns pelo blog.
    Em relação à polêmica da necessidade de mais recursos paa educação, a discussão corrente e relevante está na discussão entre obter mais recursos e gastar melhor os recursos existentes. O problema é que a relação entre recursos e desempenho pressupõe que os recursos sejam bem gastos. Caso isto não seja verdade, mais recursos representam apenas mais recursos. Sem mencionar que representam menos recursos em outras áreas também prioritárias. Assim, grqande ênfase deve ser colocada em garantir que os recursos já alocados, além de outros que possam vir, sejam aplicados de forma adequada, em modelos que levem a um melhor resultado em termos de aprendizado.
    Por exemplo, será que aumentar o salário dos professores atuais vai melhorar o aprendizado porque os professores estarão supostamente mais motivados? Ou será que talvez com salários melhores poderíamos tentar atrair sim melhores professores e mais qualificados a ensinar? O que quero dizer é que mudanças devem ser feitas antes que mais recursos sejam aplicados, caso contrário pode ir tudo pelo ralo.
    Irineu Gianesi

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  2. Irineu,

    obrigada pela sua contribuição! Concordo que recursos devam ser alocados de forma inteligente e que essa mudança é política, já que implica em um esforço do governo de pesquisar, distribuir e pesar o investimento financeiro em áreas sociais e projetos relevantes, entre eles Educação, Moradia, Saúde, todos igualmente importantes.

    Mas da forma como está colocado no artigo da Folha essa discussão é feita em um parágrafo, no qual é apresentado o dado (educação não melhora) e o seu argumento: aumento de salário pode tornar a profissão mais atraente para profissionais e estudantes competentes. Como se a questão financeira não fosse importante, e ela faz parte de um conjunto de ações (como eu disse no post).

    Será que a discussão não fica rasa se ficarmos só no que o jornal disse? Em nenhum momento explora-se, na Folha, como você comentou e estamos tentando fazer aqui, a questão de alocação desses recursos.

    Precisamos, por exemplo, de melhores parâmetros para compra de livros infanto-juvenis, para que não tenhamos problemas como o sumíço do Paraguai ou inadequação de linguagem para faixa etária proposta.

    Poderíamos, por exemplo, incentivar professorea a fazer programas de extensão nas universidades públicas. Quantas vagas existem para pós-graduação na USP e quem as ocupa? O que eu vejo na PUC, por exemplo, é que tem muito professor do Estado estudando lá com bolsa porque não teve acesso às vagas disponíveis na USP. Com isso, o Estado paga a mensalidade desses professores-alunos para a faculdade. Não estou falando que o governo não deve pagar pelo ensino dos professores na faculdade, mas que talvez possamos repensar as formas de avaliação da universidade pública para dar mais acesso a professores da rede.

    São tantas questões que podemos escolher para discutir, que vai precisar um blog inteiro sobre elas. Bem-vindos.

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